SIMPÓSIO VARELA 2023

RESUMOS DAS APRESENTAÇÕES 

John Dunne

Vivendo Precariamente, Reconstruindo o mundo

De uma perspectiva budista, a vida comum em nosso mundo comum sempre foi precária e sempre será assim. A fragilidade da existência humana, manifestada de forma mais evidente na inevitabilidade e imprevisibilidade da própria morte, produz ansiedade e sofrimento principalmente pela forma como nos envolvemos com ela.

Essa visão nos levaria a reconhecer que nosso anseio por previsibilidade e estabilidade pode ser tão forte que acabamos vivendo em uma delusão, expressa em narrativas que consideramos ser a verdade sobre nós mesmos e sobre o nosso mundo. E mesmo que nossas delusões sejam frequentemente destroçadas pela natureza precária da existência humana, ainda assim podemos nos apegar às histórias.

Essa situação aparentemente terrível, no entanto, também oferece enormes oportunidades de transformação, em parte por meio do reconhecimento de que a natureza tênue de nossa existência aponta também para a abertura e a adaptabilidade radicais. Em termos budistas clássicos, a vacuidade do mundo – a falta de uma existência fixa e, em última análise, previsível – é precisamente o que fundamenta o ato interdependente de criar mundos em uma comunidade intersubjetiva. Baseando-nos especialmente na forma como esses temas são realizados na prática e no ritual tântrico budista, exploraremos como os ensinamentos budistas podem nos ajudar a viver precariamente e a reconstruir o mundo juntos.

 

Laura Candiotto

Por que eu deveria ouvir mais?

As montanhas, os rios e a grande terra são todos o oceano da natureza búdica.
-Dōgen, “Busshō [Natureza Búdica]” (S, 238)

 

Quando você move montanhas, rios e terra, bem como o sol, a lua e as estrelas para a prática, eles, por sua vez, movem você para a prática. Esse não é o olho aberto de apenas um momento, mas o olho vital de todos os momentos.
– Dōgen, “Shoaku Makusa [Abster-se de Ações Não-Virtuosas]” (S, 97)

 Tenho uma profunda lembrança corporificada do sofrimento que senti quando vi que o rio Masino havia secado no ano passado durante um dos verões mais quentes dos Alpes italianos. Apenas algumas semanas antes, o rio Masino estava tão vivo que a água saltava entre as rochas, as algas flutuavam serenamente com a correnteza e muitos peixes pequenos animavam o fundo. Humanos e não humanos encontravam ali um pouco de frescor nas horas mais quentes, mergulhando os pés e as patas nas águas frescas dos alpes. Agora a água se foi, assim como a vida.

Senti muito a precariedade da existência, especialmente sob a ameaça da crise climática. Para onde tinham ido os peixes? Será que eles voltariam? O sofrimento não era apenas meu, mas de todos os seres vivos, humanos e não humanos, que habitavam aquele lugar e muitos outros lugares semelhantes ameaçados pela seca em todo o mundo.

Durante vários meses, estive refletindo sobre a responsabilidade humana em relação à Terra. Senti que era importante ouvir mais o lugar que habitamos. Isso não era apenas “importante”, era “existencial”: Descobri que um desejo de amor caloroso e terno pode se desenvolver ao ouvirmos mais o lugar. Ficou claro para mim que ouvir mais era uma responsabilidade ambiental.

Nesta apresentação, voltarei a essa experiência para explicar por que nós, humanos, devemos ouvir mais. Oferecerei algumas ferramentas conceituais enativas para o desenvolvimento de uma ética enativa contextualizada, como a criação de mundos participativos, o tornar-se nativo, as tensões geradoras, a criação de sentido amoroso e a escuta enativa.

Meu principal objetivo é enfatizar que, ao aceitarmos nossa vulnerabilidade e precariedade existenciais, podemos desenvolver e nutrir algumas virtudes importantes a serem colocadas a serviço de todos os seres vivos. Também gostaria de enfatizar que isso pode ser feito de forma proveitosa se houver o reconhecimento de nossa interdependência fundamental. Um foco meramente individualista na precariedade pode facilmente levar ao niilismo, como é bastante visível na tradição existencialista da filosofia ocidental.

Nesta apresentação, eu gostaria de oferecer uma alternativa enativa sobre isso: a vulnerabilidade vem da interdependência, mas a interdependência também é o que pode tornar a vulnerabilidade uma faísca positiva para ouvir mais o(s) outro(s).  Não era apenas eu que estava sofrendo por causa do rio. O lugar inteiro estava sofrendo, com todos os seus habitantes. Além disso, não havia apenas sofrimento ali. Havia uma intensa aspiração de aliviar o sofrimento.  Por meio da prática de ouvir mais o lugar, os seres humanos podem aprender a cuidar dele, a partir de sua sensibilidade compartilhada. Eles podem se empenhar na criação de mundos participativos em que o bem-estar de cada um e de todos os lugares da Terra seja o primeiro e mais importante de seus valores. 

 

Tema: Elation por Kaira.